Era maio. Inverno tão frio que, durante o banho, deixava o mijo escorrer-lhe entre as pernas: estreitamente a única coisa quente em seu corpo nu, tremulo. Não era mês para propiciar aquela gélida sensação... São Paulo estava mostrando-se menos acolhedora do que nunca, mais concreta, mais distanciadora. Agora ela passava a chegar em casa e encontrar um imenso vazio. Antes tudo era convidativo, aconchegante e tinha o calor de um respectivo lar. Hoje a televisão encontrava-se no chão, apoiada numa caixa de papelão marrom. Os pratos estavam carentes de armários e com isso recolhiam poeira sobre a única mesa do lugar. Ela repousava no sofá devido aos problemas respiratórios que tanto atormentavam seu sono, afinal, não possuía mais uma cama, apenas um colchão.
Fitou aquela angustia expressa em coisas avulsas distribuídas pelos cantos e sacou a Polaroid que herdou do pai de dentro da caixa de relíquias. Resolveu presentear-se com fotografias daquele inferno por ela vivido. Avida ficava mais bonita com aquelas fotos tonalizadas pelo ar antigo proporcionado pelo equipamento. Cercou o piso com as imagens da sua derrota. Embebeu uma dose de uísque causando desconforto para sua garganta, pois Catarina não se servia com nada alem de vinho tinto seco. Despiu-se. Fotografou a vulva, os seios, os pés, os olhos... espalhou tudo pelo apartamento escuro e após outro gole de um Bucchanan’s ganhado por Ciro, amigo de Alberto, recostou-se numa poltrona suja e, em alfa, descansou.
Iria recordar a sensação daquelas unhas tempos depois. Sentiria o toque de cada digital sobre os pelos cerrados debaixo, até o redor do umbigo, até a sobrancelha protuberante daquela face, que em face da saudade, lembrava-se de fatos ocorridos anos antes. Viria a ser uma daqueles saudosistas, que presos em sua eternidade não esquecem o sofrimento pois posicionam o êxtase acima de qualquer proposta.
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