Ela tinha braços cambaleantes e rodava
ressabiada pela sala. Meus braços, que não eram nada além de braços peludos,
faziam-se cipós, armas enormes para que eu carregasse meu amor pela cintura. Eu
nadava minha palma da mão na infinidade do colo dela, pinçando e pintando o que
havia de mais encantador no universo; não queria saber se existia astro no céu,
me fazia feliz num teto onde cortininhas alaranjadas deixavam aquela casa
quente cheirando a lar de mulher bonita e andante. Meus dedos perdidos
entremeavam-se no negror da juba de Ligia, em movimentos de uma volúpia
inegável e descaradamente apaixonada. Eu me cegava por ela e fazia questão de
assumir minha condição de homem amarrado – Ligia devia fazer trabalhos na Mãe
de Santo da rua de cima para me quedar assim, estilhaçado no asfalto, mexendo
os dedos para chamar a atenção para a falta de humanidade desse suposto amor.
Era uma languidez incansável que fazia meus
dias mornos, tentando beijar uma boca inóspita e cheia de palavras inteiras
por dizer. Ligia dizia muito mais do que era necessário para abalar o meu
esturpor estrelar decorrente da convivência dela. Não se bastava de nada, era
uma miserável sem tamanhos.
“Como
eu odeio esse café”
“Não
é tão interessante assim, Roberto”
“Faz
pra mim? Por que ninguém me ajuda?”
Chata.
Não se acomodava num pensamento, pois
quanto mais fosse e viesse – como que num caminho eterno de ondas balouçantes –
sempre acharia que as pessoas são bobas demais e que os relevos do mundo estão
povoados por seres humanos absolutamente descartáveis. Pensava que já não liam
Coetzee como deveriam, ou que Charlie Parker era aclamado por gente que não se
importava em beber uísque com Coca-Cola. Não enxergava qualquer sentido e
sentia-se comprimida numa caixa de sapatos escura, sem nenhum buraco ínfimo
pelo qual pudesse se dar a gloria de respirar.
A cabeça sem fundo na lua, um momento
criativo incapaz. Não dançava mais como nos seus dezoito anos e não sentia
necessidades fisiológicas que antes eram imprescindíveis, pois vagava por seus crepúsculos
diários pensando no quão triste e sinuosa poderia ser aquela vida que ela
contornava desde que enxergara a primeira luz na face da Terra. A alegria não
era uma constante: oscilava conforme seu humor a cada vez que pensava que as
atitudes que realizava diariamente eram coisas pré destinadas, sem indumentária
nenhuma que transformasse respectivos atos em alguma monumento que embelezasse
a paisagem imunda que submergia, incessante, todas as noites e dias.
Dava goles gigantescos em cafés no centro
da cidade, ao lado de velhos obesos que não pensavam nas questões abstratas da
existência.
Casualmente, a casualidade.
Não gostava de fumar, mas ao ver aquele
conglomerado de células gordas, sentiu-se no dever de procurar algo que lhe
rendesse algum prazer. Tragava e tossia, pensando que até a pior das drogas
inventadas pelo homem rejeitavam seu corpo. Os caralhos que encontrava no
trabalho – ora nas noites em que passava sozinha tomando chá – não serviam de
nada além de deixá-la com a vulva ardida, em chamas. Não queria mais olhar sua
boceta e desejava arrancá-la do corpo por que sentia um determinado asco
inexplicável. Nadava profunda na merda em que havia escolhido cambalear. Olhava
para seus amigos e sentia repulsa, pois eram todos maquinas de chatear pessoas
preocupadas e demasiadamente ofegantes.
• • •
Não suportava mais as mãos de Roberto
enroladas na sua cintura como se fossem propriedade particular dele. Aquela
cara de cão danado a levava a pensar que nada nesse mundo era justo, pois ele
tinha cheiro de sexo e um pênis enorme que já não soava como grande vantagem.
Nada tinha vantagem, era tudo delírio.
Esperava acordar.
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