Eu
fazia desenhos antes de escrever contos. Colecionava tintas, pincéis, lápises
coloridos, canetas de ponta grossa, fina, mediana, borrachas, papéis
fluorescentes, origamis, telas de tecido, tecidos, gizes de cera. Eu
colecionava imagens e aí, num pulo separatório entre inocência e pederastia, li
Paulo Coelho, 11 minutos, a história da prostituta Maria. Li 11 minutos aos 11
anos de idade. Descobri o que era prostituição e o que era masturbação, pois
num dado momento o famigerado autor diz que Maria encontrou a “bolinha” que
ocupava o meio de suas pernas e tocou-a. Subiu aos céus e foi descendo devagar,
uma pena branca. Pomba. Aí comecei a inventar histórias e buscar outros livros
que me ensinassem coisas gostosas como a masturbação – infelizmente só
encontrei Bukowski aos 19 anos de idade. Antes disso, li Machado de Assis,
Nietzsche e me apaixonei por uma mulher chamada Florbela Espanca. Eu me sentia
estranha, pois me apaixonara meses antes pela minha professora de literatura que
nunca usava batom vermelho, mas que usou num dia e me fez ficar embalsamada,
embasbacada pela beleza que ela era capaz de ter. E aí me mostrou as letras de
Florbela. Me quedei extasiada e presa a um mundo chamado literatura.
Não teria como ser diferente. O sonho
de meu pai era que eu fosse advogada, ou médica, ou psicóloga. Mas nunca poeta.
Não que ele não fosse um amante das artes, mas foi um homem de vida sofrida e
queria que eu tivesse uma profissão onde eu adquirisse status para que nunca
fosse tratada como uma massa, um lixo, um chorume que escorrega diariamente
pelas mãos do capital.
Se estava certo eu não sei, só o
que sei é que ele me deixou vir de Catanduva para São Paulo estudar jornalismo.
Jornalismo é uma ova. Eu queria escrever
e continuar pintando quadros, mas isso era um lamaçal tenebroso perante os ares
do interior. Perdi a virgindade aqui. Virei usuária definitiva de maconha aqui.
Conheci Bukowski aqui. Conheci o amor da minha vida. Os melhores amigos. Os
lugares mais mágicos. As tristezas mais dilacerantes. As saudades mais pífias.
Os textos mais completos. Bolhas nos pés. Dores na coluna. Orgasmos múltiplos.
Tulipa Ruiz. Estação Sé.
Não teria como ser diferente. Eu
acabaria na cama de um músico com tatuagens nos dedos. E nos braços. Na perna.
Nos ombros. Eu acabaria no quarto de um cara. Um livro autobiográfico sem
pretensão. Uns olhos enormes. Um bigode fino e elegante. Eu estaria ali de
qualquer forma, chapada de maconha, com o cérebro fervilhando, olhando para o
homem deitado em meus peitos doloridos, pensando na vida – em dar aulas de
redação e literatura para o pessoal vestibulando das Perdizes, em produzir os
shows da banda dele, em virar garçonete aos fins de semana, em me suicidar. A
falta de dinheiro faz com que as pessoas transbordem. As notas de papel
estampadas com bichos me deixam maluca, parece que não posso nem respirar se
não estiver com a carteira lotada. Eu pensava e, repentinamente, surge um gato.
Dois gatos. Luma e Bartholomeu. Invadem a minha atenção e fazem meu namorado
levantar-se da cama: gatinhos são apaixonantes. Eu digo:
– Sabia que meu irmão quase morreu
por causa de gatos?
– Não. Por que?
– Por que minha avó morava em
Itajobi. E ela tinha, sei lá, uns 10 gatos na casa dela.
Ele escutava atento enquanto olhava
os gatos petrificado.
– E aí, um dia, meus pais resolveram
visitar um amigo deles que também morava em Itajobi. E eles deixaram eu e meu
irmão com a minha avó, só que eles não sabiam que o muleque tinha alergia a
gatos... Ele foi ficando roxo, sem ar. Minha avó ficou desesperada, ligou para
eles e foram até o hospital.
– Caralho...
– Aí todo mundo descobriu que ele
tinha alergia. Ele é meio sequelado até hoje por isso... Vive doente.
Os gatos saíram e ele me puxou para que eu me
deitasse novamente. Encostou sua cabeça em meu ombro e bastou um minuto de
cafunés amorosos para que ele adormecesse em posição fetal. Meu namorado era um
bebê fofinho. Eu o amava como nunca amara nada na vida. Comecei a pensar
denovo. Quero ser artista. Quero fotografar as camisas dele e fazer uma
exposição sobre grafismos. Aí eu posso fotografar as bicicletas estacionadas na
rua. As guitarras emparelhadas nos estúdios de gravação. Meus livros
empilhados. Quero ser artista. Dói saber que não serei feliz através de nada
que não seja a arte de fato. A vida é indecente. Ela dói.
“Eu estou me esforçando na mina
pesquisa. Juro que tenho passado o dia todo... pesquisando!”
Quero dar aulas de política. De
mídia e política. Mas também quero ser artista. Eu quero ser imensidão. Antes
de tudo quero escrever livros. Quero publicar este texto. Gostaria que alguem
lesse e me achasse genia (como eu acho todos os autores incríveis e
maravilhosos que leio).
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