segunda-feira, 11 de maio de 2009

Amou daquela vez como se fosse a última/Beijou sua mulher como se fosse a última/E cada filho seu como se fosse o único/E atravessou a rua com seu passo tímido/Subiu a construção como se fosse máquina/Ergueu no patamar quatro paredes sólidas/Tijolo com tijolo num desenho mágico/Seus olhos embotados de cimento e lágrima/Sentou pra descansar como se fosse sábado/Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe/Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago/Dançou e gargalhou como se ouvisse música/E tropeçou no céu como se fosse um bêbado/E flutuou no ar como se fosse um pássaro/E se acabou no chão feito um pacote flácido/Agonizou no meio do passeio público/Morreu na contramão atrapalhando o tráfego/Amou daquela vez como se fosse o último/Beijou sua mulher como se fosse a única/E cada filho como se fosse o pródigo/E atravessou a rua com seu passo bêbado/Subiu a construção como se fosse sólido/Ergueu no patamar quatro paredes mágicas/Tijolo com tijolo num desenho lógico/Seus olhos embotados de cimento e tráfego/Sentou pra descansar como se fosse um príncipe/Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo/Bebeu e soluçou como se fosse máquina/Dançou e gargalhou como se fosse o próximo/E tropeçou no céu como se ouvisse música/E flutuou no ar como se fosse sábado/E se acabou no chão feito um pacote tímido/Agonizou no meio do passeio náufrago/Morreu na contramão atrapalhando o público/Amou daquela vez como se fosse máquina/Beijou sua mulher como se fosse lógico/Ergueu no patamar quatro paredes flácidas/Sentou pra descansar como se fosse um pássaro/E flutuou no ar como se fosse um príncipe/E se acabou no chão feito um pacote bêbado/Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado/Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir/A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir/Por me deixar respirar, por me deixar existir/Deus lhe paguePela cachaça de graça que a gente tem que engolir/Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir/Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair/Deus lhe pague/Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir/E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir/E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir/Deus lhe pague.

Construção, de Chico Buarque
"tristeza não tem fim, felicidade, sim"