domingo, 29 de julho de 2012

Elegiazinha

Nelson Ascher

Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
— se somem — é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.

sábado, 21 de julho de 2012

LA PE JU



      Não entendi o que o fez pensar que eu estaria disposta ao flete. Desde que eu havia chegado naquele lugar, um calabouço escuro da Frei Caneca, fiquei sentada de pernas cruzadas fazendo nada menos que gestos oscilantes entre o movimento de sorver um ou dois goles de água. Água. Se ele fosse um pouco menos idiota, perceberia que eu estava bebendo água e que, uma pessoa que não ingere álcool, num sábado a noite, num bar cujo nome tem pronuncia francesa, porém escrita brasileira, cercada por velhos, moços, moças, cheiradores, anarquistas, nerds punheteiros e toda a gama de pessoas capazes de frequentar a Frei Caneca num sábado de madrugada... bem, eu não estava disposta a flertar. Se ele fosse um pouco menos babaca, perceberia que passei a noite grudada com o meu smart phone preto, trocando mensagens com “sei lá quem”. Obvio que era com um homem. Obviamente eu estava apaixonada. Que mulher idiota ficaria trocando mensagens com as amigas num momento daqueles? Bebendo água e balançando os pezinhos calçados com um sapatinho de sapatão? Ainda assim, ele não percebeu que eu estava de suéter, cachecol, cabelo preso e completamente apaixonada. Ainda assim ele conseguiu ser um otário, me olhando a noite toda e esperando o errado momento certo de, feito um viking fedorento, enfiar a mão nos meus cabelos.

      Filho da puta. Teve coragem de entremear aqueles dedos imundos de cachaça nos meus cabelos presos. Tudo bem, mesmo que amarrados os meus cabelos ainda aparentavam ser uma grande juba, deve ser convidativo de fato... mas isso não significa que qualquer estranho possa se apoderar deles. Era o que de mais sagrado havia no corpo: eram cabelos do Robert Plant e isso não fui eu quem disse. Colocou as mãos no meu cabelo e saiu sem dizer nenhuma palavra. Era tão idiota e babaca que esperou minhas companheiras saírem de perto para se aproximar de mim. Tudo bem, foi rápido. Fiquei quieta como se não tivesse notado tal audácia. Subi ao banheiro, mijei em pé, senti o mijo escorrer nas minhas pernas, me limpei, lavei as mãos e o rosto e saí. Tinha um brechó ali. Entrei. Perguntei os preços, cheirei as roupas... não gastaria dinheiro com aquilo. Porra, eu estava num bar do centro da cidade, tudo o que não me faltava era fazer compras naquele lugar. Sim, eu era ridícula. Mas nem tanto.

      Desci as escadas pensando apreensiva que poderíamos ir embora. Já passava das 03:00 e eu estava exausta daquele lugar. As pessoas – inclusive minhas três amigas – bebiam a porra de um drink que chamava Tesão. Quisera eu ter ânimo e disponibilidade para beber aquela merda que cheirava a licor barato. Aquilo era gorfo engarrafado, um nojeira sem tamanho. [paro aqui de falar mal da bebida, pois se estivesse de coração vazio, teria bebido dez doses daquela e agarrado o otário logo que ele me olhou pela primeira vez] Quisera eu ter ânimo para um flerte naquela noite. Ânimo ou, sei lá, menos humanidade. A merda estava feita: já era uma mulher apaixonada e não sabia. Não largava a droga do celular pretinho, touchscreen, um deplorável aparelho que eu costumava deixar jogado meses atrás. Agora eu não o soltava, fazia questão de te-lo por perto por que queria saber a todo momento como andava o meu, até então, “relacionamento”.

      Sentei de pernas cruzadas novamente e dessa vez pedi uma soda. “Soda. Isso, SODA! Com limão espremido no copo. Muito limão! Ah, e sem gelo!” Foda-se o “sem gelo”: a porra da soda veio com limão fatiado e muito gelo. Foda-se, bebi mesmo assim. Enrolei mais um tabaco e resolvi que era hora de enfrentar o frio cortante do centro de São Paulo, onde tudo cheirava a cocaína e metenlança sem camisinha. Saí. Dei dois tragos e senti vontade de sumir daquele lugar: havia um casal de emos (sim, os emos, aqueles de lápis no olho e tênis quadriculado) jogados na calçada, chorando. Acho que estavam sem dinheiro pro táxi. Cheiradassos. Pensei comigo “Foda-se, tem mais é que se fuder essa juventude de bosta” e, cansada daquela cena, entrei na caverna. Ou, pelo menos, tentei. Senti uma mão pesada me segurando forte pelo braço. Olhei para trás e era o segurança. “Que porra é essa?”, perguntei puta, louca da buceta. “Preciso do seu RG, mocinha”, ele respondeu com aquela cara de pastel amanhecido e eu repliquei “Eu já estava aqui dentro. Solta o meu braço, caralho!” e ele, com jeito de cachorro cagado, disse “Andreza?”, “Sim, meu!”. Me deixou entrar, desculpando-se sem querer e dizendo que reconheceu meu rosto pela foto do meu RG que ele pegara um tempo antes, enquanto eu cometia o imenso crime de entrar naquele lugar.

      Não sei o que eu escrevia para ele naquela hora, mas era algo do tipo “Quero ir embora, me salve!”, pois eu não via a hora de chegar em casa, tomar um banho e espera-lo chegar. Eu estava na época do amor, o estrago havia me cansado e tudo que eu queria era um ombro forte para deitar minha cabeça e me fingir de garotinha frágil. Eu estava amando e não sabia. E, enquanto amava, aquele negro otário se aproximava de mim sem que eu percebesse. Colocou a mão no meu cabelo denovo. Levantei os olhos na esperança de que fosse Helena ou Raquel. Não era. Era ele, com sua camiseta azul e a cara de otário que não seria capaz de modificar nem com uma cirurgia de reconstrução facial muito bem elaborada pelo Ivo Pitanguy. “Tira a mão de mim”, falei, sem gritos e sem grosseria. Apenas falei. Ele tirou e, rapidamente, prostrou a porra da mão nos meus cabelos denovo. “Tira a mão de mim”, eu disse, empurrando o braço dele pra longe. “Seu cabelo é bonito. Você é muito bonita”, “Ok”, respondi brava e cheia de raiva. Estava sem paciência, oras. Esse cara tinha que aparecer bem na hora que eu dizia boa noite para o meu futuro marido? “Pombas! Que merda!”, pensei. Ele deu meia volta e apareceu denovo ameaçando um grito violento “Você é muito chata, moça!”, e eu, sem a mínima vontade de argumentar com um verme bêbado, olhei e voltei a degustar minha soda aguada. “Você é muito chata!”, disse mais uma vez, só que dessa vez num tom mais baixo. Respondi, de cabeça baixa e fuçando a bolsa “Foda-se! Vá a merda, cara!”. Ele saiu.

      A situação não poderia estar pior. Eu estava num lugar escuro, cercada por bêbados, totalmente sóbria, sendo xavecada por um imbecil e amando a distância. Minhas preces foram ouvidas e, as 05:13 da manhã, minhas amigas resolveram partir. Bingo! Agora eu poderia ir pra casa me esquentar e esperar meu amor com as calcinhas infartadas.


      Subimos as escadas tenebrosas, pagamos a conta e, saindo do calabouço, sinto algo me puxar pelo braço denovo. Era ele, o negro imbecil. Bonito, porém, imbecil. “Você é tão chata que até parece a minha professora do primário!!!”. Olhei para ele com um semblante pesado, de quem só queria que ele tomasse [no cu] um tiro na testa para que dormisse feliz naquele resto de noite. Não disse nada, só levantei as sobrancelhas como quem diz “Pena...” Não contente, ele gritou denovo “Certeza que você é petista e curtiu a aliança do fulano com o Lula!!!” Depois disso, não tive sequer a coragem de olha-lo. Desci os dois últimos degraus e encolhi os ombros para me proteger do frio.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um boa bunda



Se quiser chamar de amor, chame. Ora, pois chame do que sentir vontade, Julia... chame de amor, minha Julia... chame de loucura toda essa loucura que me toma conta quando eu penso em você... Ah... mas não me deixe aqui esperando o teu sorriso bonito que vem desse belo par de beiços cor de laranja... Ai, minha Julia, não me deixe sentar aqui em vão... Esse banco, Julinha, não conforta minha bunda esquerda e amassa a direita. Mas, o que eu não faria para te esperar sair desse ônibus... O que eu não faço por você, minha menina... Julia, Julia...

E até parece que esse relógio está quebrado. Por que o tempo está se arrastando pelo chão onde pisa esse mundo de gente desesperada. Bate salto, bate bota, bate bola.... Essas tais horas se quedam trôpegas pelos meios dessas catracas, pelas cadeiras onde as bundas sujas sentaram, por guichês onde velhas e moças passaram. Julinha, por que o ônibus de Juazeiro não aparece de uma vez? Já passou Belo Horizonte, Mariana, Itabira... Juazeiro não aparecenunca. Meu Deus! Esse tal de Juazeiro... quase que perco a fé nessas horas! Meu estômago deve estar despedaçado a essa altura. Sorte minha não ter me dado uma caganeira brava bem agora. Imagina encontrar a Julia com a bunda tão suja quanto as bundas das pessoas que sentam nas cadeiras dessa lanchonete?

Se tem um lugar que eu detesto, vou dizer: é a rodoviária. Lugarzinho para ter gente feia, sem dente... Impressionante como todo mundo nesse lugar é feio e quer saber de viajar, visitar família... até velho anda de ônibus como se fosse rapaz. Pensa se um deles cai na hora de subir na plataforma pro ônibus? As escadas são muito grandes, é o maior perigo isso acontecer...

Talvez a única pessoa bonita dessa rodoviária fedida seja a minha Julia. A minha Julia e a moça dessa lanchonete.

(Me vendeu por três real uma coxinha tão gostosa quanto a buzanfa dela)

Mas espero que a minha noiva apareça com aquele vestido de rosa que minha mãe deu pra ela no natal passado. Fica demais gostosa ainda com aquele vestido... na verdade, ela fica gostosa é de qualquer jeito. Mas, aquele vestido... deixa a bunda dela empinadinha. Ai, Julinha... que saudade que eu tenho de você, minha princesa. E esse ônibus arruaceiro não aparece! Infeliz seja o motorista que estiver te guiando. Minha vontade é de dar um morro na cara de velho imundo dele por me deixar assim, feito um cachorro frioriento.

- Juazeiro! Julia! Julia! Juaziero!

(que bunda boa...)

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobretudo, gosto de você



Sou do tipo esquisito. Não consigo me classificar e isso corrói minhas entranhas. Fico triste, pensando em como as pessoas me vêem ou em como eu me comporto: será que correspondo a tudo que penso? Não sei dizer, jamais soube. Hoje a única coisa que busco é serenidade. Gosto de rock n roll, de cinema, de literatura, de comida boa, teatro, artes plásticas e editoriais de moda. Mas descobri que gosto de uma coisa sobre todas as coisas.

Gosto de você.

Não sabia disso. A primeira pessoa por quem me apaixonei foi pelo Nino, do Castelo Rá-tim-bum. Achava que ele me via pela tela e, por isso, me ajeitava bonita quando começava o programa. Depois disso, me apaixonei por alguns garotos e namorei três deles (mas nenhum por mais de dois meses). No primeiro colegial, me apaixonei pela professora de literatura. Gostava quando ela ia de cabelo solto pra escola. Tinha dias que ela usava batom. Aí eu ficava maluca, condenada a olha-la profundamente e suspirar constante. Fazia perguntas só para que ela visse que eu existia no fundo da sala onde o ar condicionado congelava corações imaturos. No primeiro ano da faculdade, me apaixonei pelo meu melhor amigo. Mas era tão infantil quanto meus namoradinhos de quatorze anos. Faltou pouco para que cuspíssemos na cara um do outro...

Hoje eu resolvi me apaixonar por você.

Apaixonar não: estou amando. Descobri a diferença entre estar apaixonado e estar amando sinceramente alguem. Minha cabeça está no lugar, pois com você imagino uma vida. Tenho medo de te desrespeitar. Tenho medo de te chatear.

Sobretudo, tenho medo de te perder.

Mas não é aquele medo apaixonado, de que vou ficar sem ar ou emagrecer por isso – trata-se de um medo sóbrio. Se eu te perder, serei nada menos que nada. Absolutamente. Se eu te perder, será pesado. Será triste. Ficarei em silêncio. Não te blasfemarei. Por que estou sóbria. Estou com vontade de me juntar a você e construir uma casa no meio do mato, pra gente fugir quando São Paulo estiver muito cinza.

Não sinto a necessidade brutal de te provar algo. Apenas sinto que preciso viver ao teu lado e fincar minhas unhas nos teus ombros quando a chuva começar a cair. Me sinto sóbria. Me sinto segura.  Por que você me observa. Você fica intrigado e eu acho graça. Acho graça enquanto você fica parado, olhando, quieto. Penso “O que diabos esse cara tá imaginando a meu respeito?” e sei que são coisas boas. Macias. Você precisa confiar em mim, pois já me entreguei quando pensei que isso fosse impossível.

Não sinto ciúmes. Não sinto... você não me provoca isso. Depois de você, aprendi que sou adulta. Aprendi que adultos acordam cedo e são responsáveis. Mas só fazem aquilo que querem: não somos máquinas. Ainda bem que você me fez pensar assim. Mundo de merda esse, não? Mas, meu amor, não cairemos nesse abismo. Acordaremos cedo sim, mas pra dormir vamos escutar Led Zeppelin.

Se você não tivesse aparecido, eu teria que me conformar em ser incompleta. Como se me faltasse um braço. Ou como se eu tivesse cabelos lisos e olhos negros.

Não seria eu. 

sábado, 14 de julho de 2012

Como tomar um ônibus

O velho Key esperando o ônibus. Magrelão, óculos quadrados, maletinha em mãos, calça social escura, sapato de ponta quadrada, camisa azul escuro sem estampa. Velho Key faz questão: se os jovens usam camisa xadrez, ele usa camisa sem estampa. Deus o livre de parecer um pouco com essa juventude.
Camisa por fora da calça.

O velho Key pensando. Domingo. Bom mesmo pra dar uma volta pela cidade, sair de casa. Precisava de um pouco de excitação. Velho Key aposentou há pouco tempo e se sente muito entediado sem ter um trabalho. Coitado de quem pensa que em ônibus não tem excitação. Hoje é domingo, não é dia de procurar um trabalho que o tire do marasmo, hoje é dia de passear - dar um rolê, diriam os jovens, rerere, acha que pode? - e dar uma espiada nas moças. Não que o velho Key ali seja um pervertido. A beleza feminina, como todos sabem, é fonte de inspiração e indiscutivelmente a maior das artes da raça humana. Não é porque a pipa do vovô não sobe mais que ele perde o direito à admiração. Devia, aliás, haver uma fila preferencial pros velhinhos. Deixa o vovô ver a mocinha e desmaiar logo. Rererê.

O velho Key esperando. O velho Key já está no ponto há uns trinta minutos e nada de ônibus. Acha isso um absurdo, mas fica quieto, não fica resmungando e praguejando. Não gosta de ser igual àqueles outros velhos que puxam papo com qualquer um no ponto de ônibus, na farmácia, em qualquer lugar. Estão com pressa pra conhecer a humanidade inteira antes de morrer, pensou o velho Key - rerere - essa devia ir pra algum caderno de anotações. O velho Key não gosta de ficar fazendo escândalo. Não gosta de reclamar muito, já passou a vida toda reclamando e o mundo nunca mudou por ele. Ninguém nunca mudou pra ele. Então deixa estar. A vida é assim mesmo. O mundo desce o cacete na gente, fuzila nossa vida, e o máximo que a gente pode fazer, de vez em quando, é dar uns tiros pro alto. Pra desestressar.

Até que enfim, o ônibus apareceu na distância. Ah - o velho Key gosta de passear - dar um rolê, rereré. Havia mais gente no ponto e o velho Key, todo paciência, deixou todo mundo entrar primeiro. Depois, subiu os dois degraus da entrada, pagou os R$1,10 da passagem ao cobrador, suspendeu a maletinha por cima da catraca, passou e sentou no assento preferencial. O motorista engatou segunda e o velho Key, abrindo a maletinha, lembrou das primeiras aulas de tiro ministradas a ele pelo próprio pai, sabe-se lá quantas eras antes dessa. O velho Key estava velho, aposentado.

Mas ainda dava pro gasto. Havia uma loira absurdamente gostosa sentada perto do velho Key, num assento preferencial. Não era o lugar dela. Devia ter uns 20 anos, pensou o velho Key, mas podia sentar ali, uma loira daquela poderia o que quisesse - podia até sentar no meu colo, rereré. Deveria ter usado uma gravata hoje. O velho Key levantando com o revólver em mãos, dando tiros pro alto: TODO MUNDO QUIETINHO E PASSANDO TUDO, CARALHO!!!


H.G.S.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

[tentativa de]

"Haikai" do devaneio: 

Te olho ensimesmado
um golpe baixo 
e meu nome poderia ser

"Teu"