segunda-feira, 11 de novembro de 2013

porquê os humanos desconhecidos me dizem tanto



As pessoas que atravessam a rua, com um sanduíche em uma das mãos e uma água de coco na outra. Elas me dizem muito. Seus cabelos grisalhos e os olhos fechados por que o sol está a pino, me dizem muitas coisas sobre pessoas que sofrem e reconhecem meu sofrimento antes de me reconhecer como una. Eles não usam óculos de sol. Também não usam roupas compatíveis com o calor, pois todos estão uniformizados para completarem os espaços vazios de fábricas espalhadas entre quase todas as ruas de São Paulo. Às vezes penso que há mais fábricas nesse mundo do que charretes, por exemplo. Ainda que a exploração dos cavalos seja algo que me corta o coração, acredito que pessoas em charretes sejam mais inofensivas do que pessoas em fábricas. Acredito que os problemas psicológicos de pessoas em charretes sejam mais doces, e, sim, doces! do que os problemas que assolam os trabalhadores em fábricas.

As pessoas me dizem muita coisa, pois sinto saudade do cheiro da minha avó e também da sua simples presença. Não que eu sinta falta da minha avó por sua pessoa, mas pela figura que ela representa. Ter uma avó nos dias de hoje é muita raridade. Não apenas uma avó viva, mas a convivência de uma avó, ou um avô, pessoas com as quais você conversa e ama apenas para se sentir amada. Esse é o motivo pelo qual as pessoas desconhecidas me dizem muito. Pois no ônibus, eu em pé, eu olhava para a rua como quem olha o nada. O homem, que acompanhava sua mãe – que provavelmente também é avó de alguém – tocou com as costas de seus dedos meu seio esquerdo. Ele pediu desculpas como se tivesse realizado o pior disparate desta terra. Eu disse “não foi nada” quando ele se desculpou. Depois, ele desceu para ajudar a senhora a descer do ônibus.

Acho um tremendo absurdo o tamanho das escadas para subir e descer dos ônibus de São Paulo. É quase um metro de altura e os velhos que tomam ônibus diariamente se esforçam muito para subir e descer. Me quedo ainda mais sensibilizada, pois minha avó jamais seria capaz de subir e descer dali.

Quando me pego pensando pensamentos de ódio sobre as pessoas do mundo, até sobre aquelas que mal conheço, esqueço de pensar que as vezes me sensibilizo com elas. Os desabrigados e a travesti drogada que dança no farol da Rebouças me causam uma injeção de amor irreversível. Ao passo que também me causam asco, apenas por possuírem a gênese humana nas veias.


Os seres humanos vivos fedem mais do que qualquer animal morto. E é por isso que humanos desconhecidos me dizem tanto.