quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tão insignificante quanto uma pomba branca

Sentada, ela fazia um colar de contas para o casamento. Estava com as pernas cruzadas, vestindo uma calcinha azul marinho, uma blusa bege que usava para dormir e um chinelo de quarto. Balançava as pernas enquanto ouvia os diálogos dramáticos da novela - a novela sim, um drama que fazia sua existência funestamente vazia oscilar entre emoções e calmarias do cotidiano da gente rica que aparecia na tela. Esforçava o dedão do pé para não perder o chinelo. Periodicamente ajeitava os óculos por cima do nariz minúsculo.

Contava as pérolas falsas que ia colocando alinhadamente no fio de náilon; não tinha atenção para nada que não fosse aquele colar de contas proveniente de pérolas falsas. Estava ali, tão avulsa quanto a matrioshka da estante, tão alheia ao mundo quanto as taças de vinho do armário da cozinha. Estava ali, fabricando um colar e pensando em seu uso no dia do casamento da prima bonita que tanto invejava desde a adolescência na paroquia de São José. Ela queria ser um sucesso, pois também desejava um marido.

Desviou o olhar para aquela bonequinha russa e começou a percorrer o devaneio que se formava em sua mente. Ficou pensando em quantas aquele enfeite era capaz de se desdobrar e ficou análoga a aquele pensamento. Concluía pouco a pouco que ela, por sua vez, era uma matrioshka presa no corpo de uma mulher e a ultima das miniaturas era ela como fêmea endiabrada. O lado luxurioso da vida ela não tinha. Tudo parava ali, aquela era a ultima instancia: o viés sexual da filistria diária. Era capaz de ser estudante, trabalhadora, filha e amiga. Mas nunca mulher.

Bianca jamais havia se tocado. Já ouvira das amigas que a sensação era sublime; algo parecido com subir aos céus e descer flutuando vagarosamente. No alto de seus vinte e oito anos, ainda não tinha experimentado o prazer do gozo. Divagou sozinha sobre isso por um tempo significativo enquanto preenchia os espaços daquele colar de contas. Seu dedo era virgem e sua boceta também. Ela era a ultima virgem entre as mulheres da terra.

Uma gota de sangue no sofá. A agulha trapaceou sua ética e furou o dedo de quem a botava na labuta. Foi quando a moça prostrou-se na frente da televisão, viu uma cena de nudez e não enxergou sua realidade. Observou a o sutiã da atriz voluptuosa, percebeu que os olhos do galã estavam em chamas e que tudo aquilo era pecaminoso demais para ela. Voltou para o colar de contas, anulou denovo a sua ânsia e decidiu fazer sucesso no casamento de sua prima bonita. Ou pelo menos, tentar.