quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Deus caminha triste

"Eles cantam pra você", ele me disse na mesma hora em que enviava o link de "Me deixa em Paz". O Clube da Esquina, eu ouvi. Ele disse que cantavam pra mim, todas aquelas músicas eram cantadas para mim, o Milton, o Lô Borges, de Caetano Veloso até Maysa, ele disse que todos cantavam pra mim. Pois a dor é o que move grande parte da arte e nesse mundo onde há dor por todos os lados. É dor que não acaba mais. É excesso de humanidade, que eu tenho vontade de fazer sumir. E todos eles juntaram-se, numa serenata bem organizada, para cantar ao meu ouvido e esclarecer que, por dor de amor, todo mundo passa. Mas ninguém morre. E precisou meu grande amigo dizer, para que eu acreditasse depois, para que eu vivesse um pouco mais depois.

E isso tudo acontece por que não gosto de abraçar as pessoas. Isso me torna, em certa medida, um ser humano pior do que aqueles que gostam de bons, apertados e demorados abraços. Meus amigos me abraçam e eu tenciono todos os meus músculos. O medo rega meu corpinho, por que me causa agonia aquele monte de braços e pernas e polvos e tantas unhas. Só quem abraço são os cães da rua e meus namorados, pois as pessoas que amo sexualmente me causam uma vontade devastadora de adentrar. Me gosta o fato de mergulhar naqueles que amo. Quero tanto remexer tudo, buscar, devorar os órgãos. 

Meus problemas são oriundos deste motivo: não abraço pessoas. Só cães. 

A pele humana nem é quente, nem peluda, tampouco macia o suficiente para que eu me acalante nela. E presunçosa, sigo nessa instância que acaba por ser ridícula, pois sou uma pessoa a quem outras pessoas querem abraçar. Mas eu não gosto do calor do corpo, a não ser que esse corpo seja o amor da minha vida - mesmo que somente pelo mês 8. E, nessa altura, só o que me bastava seria acreditar na falta de amor do mundo, no sal que jogam em mim, uns aos outros jogam tanto sal. Mas, nessa altura, um amigo informou que Milton Nascimento cantava para mim. Eu ganhei, deitada em minha caverna, um concerto particular das músicas mais lindas do mundo. Por que o amor e existe e, apesar de estar naqueles dias onde nem se sabe mais o que fazer, fui contemplada com uma imensidão de amor. Aquele quente, que preenche até os espaços mais pequeninos. 

Nesse momento, onde perdi um grande amor de abraçar, pensei que fosse perder todos os outros tipos de amores. Mas aqui se ganha e eu quero somar carinho a todos. Pena que os abraços não são bons comigo. Eles não avançam, eu não gosto de abraço, eu não gosto de braço. 

É uma pena grande, ver que feito gado nós andamos por aí, numa linha reta, buscando somente encontrar a felicidade por meio da paixão. A hostilidade da gênese é tanta que tentamos combates por meio de mais frustrações que me farão mais insignificante, menos amante, mais revoltosa do que nunca. A hostilidade nasce a toda hora, no momento de nascer um bebê, ou no momento de nascer uma araucária titânica. Não há o que contestar sobre o grandiosidade da araucária ou a pequenez do meu coração. As coisas são assim por que é divino ser assim. Por que o universo cuidou de fazer, sem pressa, que as coisas chegassem onde chegaram. 

Fizemos a revolução sem saber. Hoje existe coisa demais ocupando pouco espaço. Poderíamos ter mais gentes se hoje tivéssemos menos dinheiros. Poderíamos ter mais água se não fossemos tão sedentos. Pois permanecemos desde sempre no status de queda constante. É assim que ficaremos, até que o sol se esconda de medo e nos falte alimento. E é aí que encontro a solução mais abrupta para todas as dores do mundo: nossa preciosidade é o amor. O amor pelo outro é o que nos faz viver e assemelhar o sofrimento. Solidarizo com quem sofre por que sofro junto. O amor maior é liberdade de deixar seguir enquanto queremos seguir, ao nosso modo mesquinho ou fofinho. O amor consiste na ideia de que Chico Buarque vai cantar pra mim quando eu estiver triste e acoada feito um bicho triste. 

A tristeza não foi Deus quem fez. Fui eu.