sábado, 10 de dezembro de 2011

Não. Pela terceira vez.

Não sei qual fora a intenção de perguntar, mas perguntou. Enquanto eu estava cheirando a goró, perguntou se eu queria dançar por ali, no meio de muita gente, dançar arrastando os pés e dançar na ponta dos dedinhos magoados que são meus dedinhos dos pés. Se chegou perguntando por que eu dizia que tinha dormido com os braços enlaçados naquela noite, me indagou dizendo que a dissimulação é uma causa de sofrimento, me indagou – com as mãos no guardanapo azul, fuçando o paliteiro, equilibrando o azeite por cima do paliteiro sem me olhar nos olhos – dizendo que eu deveria ser sincera na maior parte das vezes, pois da sinceridade nasce a lealdade que falece um pouco todos os dias.

Me fez dizer qual era a cor de carro que mais me atraia, somente na intenção de descobrir se eu era mais uma dessas emergentes, ou se eu era aquilo que meus cabelos transpareciam. Eu, por inteira, transparecia um mar de desordens. Transtornos do sono, transtornos bipolares e transtornos byronianos que oscilavam tanto quanto a folha de alface crocante de rolava de um lado para o outro naquele beiço sem saliva. Enquanto as verduras cantarolavam dentro do céu da boca, Janis Joplin sussurrava bem baixo no meu tímpano estourado, compartilhando a angustia de que ela, tanto quanto eu, precisava de um homem que a amasse. Continuou ali, prostrado com as mãos caídas sobre a mesa, com olhos de lince rondando as quatro pontas de uma mesa redonda, pedindo que eu não olhasse seus olhos. Implorou que eu não deixasse cair, implorou por clemência e quase chamou a progenitora afim de que eu tivesse misericórdia. Falhou.

Pediu que eu botasse a cabeça no lugar, mas tudo o que eu conseguia ter em mente era a necessidade brutal de tirar os sapatos, o sutiã e mentir mais um pouco. Eu tinha necessidade de disfarçar a minha imensa vontade de vê-lo caído de quatro na minha frente, despido e desprotegido, pelado, com frio e com fome. Eram desejos sádicos que passeavam de um lado para o outro, do lóbulo frontal para o hemisfério esquerdo, fazendo barulhos de carros de corrida, fazendo ruídos estranhos. Dor de amor. Me doía, me deflorava como uma barragem que rompe um turbilhão de sentimentos dúbios e sofríveis. Por menos que eu quisesse, me tornei uma pessoal sofredora, capaz de fazer sangrar e rir a partir da dor de quem tivesse ao meu lado. Eu queria sentir cheiro de merda, fazia questão de sentir fortemente as agulhas nas veias azuis que me regavam. Porém, ainda estava ali, estaticamente posicionada olhando o movimento de suas mãos naquela toalha de seda preta.