"Richard Ellmann conta que Joyce nunca quis admitir que sua filha Lucia estava psicótica. Adaptava-se às manias da garota e tentava entendê-la e a seguia durante horas em estranhas conversas nas quais pareciam usar uma língua desconhecida. Animava-a a desenhar e a escrever. Mas não podia suportar que Lucia não o reconhecesse e que o insultasse e o chamasse de Mister Shit. Por isso pediu uma entrevista a Carl Jung, que admirava sua obra e que escrevera um artigo exaltando o Ulisses. Joyce, que nesse momento escrevia Finnegan's Wake, mostrou-lhe vários textos de Lucia. 'Ela usa a linguagem como eu', disse. 'Sim', respondeu-lhe Jung, 'mas ali onde você nada, ela se afoga'."
Ricardo Piglia, O laboratório do escritor.
quinta-feira, 21 de março de 2013
domingo, 17 de março de 2013
meus escritos parecem um diário público.
Só o que eu estava tentando fazer era não voltar para o quarto de novo. Na
última vez que te vi. Era tudo o que eu não deveria permitir: ser cruel comigo
mesma. E que porra de vida, eu não canso de me maltratar. Naquela última vez em
que te vi. Tive sonhos com uma velha japonesa. Sonhei que você entrava e saia
rápido de mim. Sonhei com meu celular nos pés. E não sabia se seria pior dormir
ou acordar. Não aguentava mais a minha volta e fui procurar a sua. Você foi
solícito, meu coração não aguentou. Fui. Na chuva, doendo. Fui te ver. E tudo o
que não aguento é seu rosto. Todas as vezes em que abri a porta para você,
quase derreti. Você me enche de algo que não sei o nome. Me transborda fácil.
Tento arrancar explicações, enxergar motivos. Mas tudo o que me sobra é um
vazio intermitente. As vezes penso que sou uma leoa muito mais feroz do que eu
mesma sou capaz de aceitar. O que tenho passado vai deixar calos, cicatrizes e
feridas que vão atormentar por algum tempo. Tenho passado muito penosamente por
isso, mas preciso acreditar que vai passar. Nunca tive fé em nada, mas preciso
encontrar a fé dentro de mim. É o que me move. É apenas o que preciso. Sair da
situação deriva. Remar com as duas mãos que tenho. São pequenas, mas aguentam
firme. Só eu sei que sim. Ou não. Vou começar a entender agora. Eu discorro
sobre isso para muitas pessoas. Acredito que elas me entendem, mas isso não me
conforta muito. Logo eu, que sempre reclamei da incompreensão alheia.
Esse
mundo é irônico demais para a minha imaginação. Acho difícil de acompanhar.
sábado, 16 de março de 2013
extrato 92
"(...) Não havia comida para bebés em Malanje e a nossa filha tornou a Portugal magra e pálida, com a cor amarelada dos brancos de Angola, ferrugenta de febre, um ano a dormir em cama de bordão de palmeira junto das nossas camas de quartel, estava a fazer uma autópsia ao ar livre por via do cheiro quando me chamaram porque desmaiaras, encontrei-te exausta numa cadeira feita de tábuas de barrica, fechei a porta, acocorei-me a chorar ao pé de ti repetindo Até ao fim do mundo, até ao fim do mundo, até ao fim do mundo, certo da certeza de que nada nos podia separar, como uma onda para a praia na tua direção vai o meu corpo, exclamou o Neruda e era assim conosco, e é assim comigo só que não sou capaz de to dizer ou digo-to quando não estás, digo-to sozinho tonto do amor que te tenho, demais nos ferimos, nos magoámos, nos tentámos matar dentro de cada um, e apesar disso, subterrânea e imensa, a onda continua e como para a praia na tua direção o trigo do meu corpo se inclina, espigas de dedos que te buscam, tentam tocar-te, se prendem na tua pele com força de unhas, as tuas pernas estreitas apertam-me a cintura, subo a escada, bato ao trinco, entro, o colchão conhece ainda o jeito do meu sono, penduro a roupa na cadeira, como uma onda para a praia como uma onda para a praia como uma onda para a praia na tua direção vai o meu corpo."
Memória de Elefante, António Lobo Antunes
Memória de Elefante, António Lobo Antunes
terça-feira, 12 de março de 2013
Hoje é dia de deixar sangrar
Ainda que eu soubesse tudo
sobre o final, estive disposta a ir e fazer novamente. Tentar não era permitido - tampouco uma opção. Mas foi o que me sobrou.
Falhei e esperei pelo melhor. Deixar morrer naturalmente é calmaria e
lucro; assassinar é tristeza.
Meus pés tremiam,
minhas mãos suavam e, ainda assim, você se esquivou de um beijo.
A vida às vezes brinca
comigo. Mas dessa vez ela passou dos limites.
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