quinta-feira, 28 de abril de 2011

Silvia

Iria refletir sobre os estragos causados por aquela moreninha anos após a turbulência. Jamais pensaria que tão insignificante ser pudesse deixar cicatrizes fétidas e doloridas a esse ponto...

Lembrava-se dos pés dela junto aos dele naquela noite, gelando as unhas do homem, furtando qualquer privacidade existente naquele recinto anteriormente. As cobertas não pertenciam mais a uma só pessoa; a vista da janela, agora era propriedade dela.

Passou a sair nua do quarto para a cozinha, passou a deixar a porta aberta durante o banho, passou a comer com mil talheres - como num banquete sofisticado, coisa francesa ou algo do tipo - as entranhas do velho desprotegido. Ela fez da vida daquele ser algo infernal, repleto de pó, areia no olho, calor, suor e pesadelos. Era o diabo em forma de menina: de pele lisa, de cheiro de mulher gostosa.

Na cabeça moribunda, perpetuava o som de uma furadeira ensurdecedora. Perpetuava o barulho caótico e inconstante da cidade. Perpetuava acima de tudo a dor.

Ele sentava-se em seu local de trabalho, exercia os ofícios com singular destreza, usando a ponta dos dedos para tocar a superfície daquela maquina, deslizando pelos relevos nada íngremes de um teclado, elevando os olhos ao brilho ofuscante de uma tela de computador. Partiu da ideia de que não era mais capaz de levar a vida longe daquela garota, a morena de cabelos alongados e inescrupulosos. Pensava naquele bicho, naquele verdadeiro demonio, vestida para ele. Pensava que Silvia jamais seria sua propriedade e enlouquecia.

Aos poucos aquele velho de bigode enlouquecia.