Pensei em te propor a construção de
uma casa, longe ou perto daqui. Engraçado é que, sempre que penso em te propor
algo, me lembro que os erros um dia ditos teus, por mim, actually são meus. Na
verdade, não penso isso sempre. Na verdade, passei a pensar isso nesses dias de
ano novo, onde o cenário é bonito, ou dramático o suficiente para causar um pensamento sensato, deveras mórbido, como este.
Talvez tenha sido eu, obrigando a mim
mesma, a pensar numa solução. Talvez tenha sido somente a solução que chegou na
hora certa e disse, só de safadeza, “apareci”.
O fato é que encontrei a resposta para
a pergunta que me fiz durante esses quase dois anos de isolamento e choque
diário com a realidade. Isolamento e choque. Isolamento e choque.
Talvez eu me engane propositalmente, ou talvez eu realmente acredite nessa solução resposta. Todos os problemas saíram
de mim. Oras, partiu de mim, brotou em mim e foi feito tiro ao alvo para você.
Sua sinceridade me deixou constrangida, eu quis fingir que você não era sincero
para - simplista - te pintar como apenas louco. Me descobri uma mulher egoísta, uma mulher
mendiga. Sem perceber, destruí o pouco e vida que te restava. Achando que faria
o bom, o bem, o justo. Foi aí que destruí o raspa de humanidade que te restava.
Odeio quando me obrigam. Não entendo
como fui capaz de te obrigar por tanto tempo. Crueldade é o nome do que fiz com
você.
Por isso que sempre que penso em te
propor a construção de uma casa, perto ou longe daqui, penso que casa não
existe e nem vai existir. Nunca é o endereço da nossa casa.
E agir conforme os meus princípios é um
caralho, por que na estrada eu estava pensando que nossa filha deveria se
chamar Eneida. Por que Eneida é nome de guerra e ela seria o fruto mais
explícito e doce de uma guerra. Pensei que nossa menina deveria se chamar
Eneida, também, pelo filme pernambucano que estudo diariamente. Se tem Febre e tem
Rato no nome, é um bom nome de filme. Com uma boa personagem com chamada de
guerra: Eneida. Esse seria o nome perfeito para a nossa filha, ou nossa guerra, ou
como queira chamar o bicho que sair de mim por tua culpa.
Mas que filha é essa? De onde inventei
que teremos uma filha para chamar de guerra? Nossa filha já veio, já se foi
antes mesmo do batizado, por pura sorte de ser uma criança sem pecados. Eneida é guerra, nasceu do
sangue e para o sangue voltou.
E, de qualquer forma, muitos filhos a
gente já desperdiçou. Pois amar feito coelho gera um desperdício massivo de
filhotes possíveis.
Raul, Guita, Otto, Eneida, Nicolau,
Emília, Thor, Brisa.
Raul seria cantor. Guita seria a luz
das estrelas. Otto seria intensidade. Eneida, a revoltosa guerra. Nicolau, um
avô. Emília, uma avó. Thor, um guerreiro. Brisa, pura brisa.
Nenhum vingou. Nem nosso suposto amor
foi capaz de resistir a esses tempos onde a ira dos homens é o que comanda a
Terra.
Talvez nosso amor tenha derretido por
que em São Paulo tem feito muito calor.
Terra boa que serviu de palco para o nossa apresentação...
Terra boa que serviu de palco para o nossa apresentação...
Nosso amor, um espetáculo: primeiro
ato, choro, segundo ato, ódio, terceiro ato, sangue, quinto ato, morte.
Como todo espetáculo digno, nosso amor
começou, atingiu o ápice, o clímax, como queira chamar, e morreu, terminou em
fim.
Fim.
E de Eneida, aquela que nem chegou a
nascer, imagino o rosto. Imagino as mãos feito as minhas. Imagino tuas pernas
em Eneida.
E, por descobrir que a culpa era
minha desde o início até o último ato, jogo ela onde bem quero. Bem guardadinha e escondida dentro de mim, em
meu colo, ou talvez em meu ventre. Para que Eneida jamais venha a esse mundo e
para que nossa guerra não ganhe forma.
Eu poderia me arrepender de ter batido
na tua cara. Mas talvez o melhor motivo para me arrepender seja ter invadido
você e estuprado tua alma.
É por isso que peço perdão à Eneida.
Pois nossos filhos são ingratos e ela, certamente, preferiria conferir o mundo
com seus próprios olhos verdes ao invés de escutar meu recado e saber que o melhor
mesmo foi retornar para o lugar de onde veio.
Eneida, me perdoe, menti de novo. Também me arrependo – e muito! – de ter dado um tapa na cara do seu pai.