segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Se não sabe escrever, nem desenhar, desenhe.


Saturno



Eu sentia fome. Muita. Três dias atrás. Agora não sinto mais. Estou aqui outra vez. Toco a campainha e aguardo. Mão no bolso da jaqueta, confiro outra vez. Eu avisei que viria. Ela abriu a porta. Oi. Olá. Vim comer, de novo. Risos. Agora eu não tenho mais fome. Entrei. Já faz três dias. Pois é. Quadros nas paredes. Provavelmente nunca parou pra pensar neles. Essa coisa, o tempo. Tem festa hoje. Onde, lugar de sempre, aniversário de Alguém. O Tempo. Nenhum desses quadros me agrada agora. Algo estava destruído agora. Alguém estava destruído agora, deixado para trás. Mão no bolso. O que se faz com fome... quem vai entender essas coisas. Você vai? Sim, começa às 20:00. Já está destruído.
Mão no bolso. E aí, (enfiei os dedos nos orifícios do soco-inglês) tá com fome? Agora eu não tenho mais fome. Tirei a mão do bolso e mandei o primeiro. Direita. No queixo. Mas. Não caiu, mas vai cair. Não tenho um pingo de dó. Não tenho fome. Tenho outra coisa, chamariam de raiva. Bati. Caiu. Caí por cima. Maxilar. Testa. Peito. Costelas. Olho. Nuca. Já apagou. Foda-se. Eu já dei outro nome. Foda-se. De relance, um quadro. Barco de pesca em mar bravio. Estão por toda parte e ninguém os entende. Hoje eu tenho medo. Bati até meu ombro começar a doer. Não que eu esteja velho, é a falta de exercícios. O Tempo. Sangue. Não me sinto melhor. Sabia que não. Já foi. Sangue por todo lado. Já está destruído. Isso é só uma descarga inútil. Não há volta. A culpa nunca morre. Ficando em pé, pisei num dente perdido no piso. O Tempo nunca morre. Não tenho fome. Não é raiva, é o desespero. Meu tempo passa e eu não posso voltar atrás. Gemidos. Vai acordar no inferno, puta. Muito sangue. Três dias em desespero. Bati mais. Bati até arrebentar tudo. Não tenho mais fome. Jamais terei. Já sei que pintura eu gostaria de admirar agora. O Tempo é cruel com os homens, assombra a todos. Os homens são cruéis uns com os outros. Quem aqui está livre? O Tempo. Tempo, engula mais um de seus filhos. O corpo branco, sangrando, é até infantil nas mãos do Tempo. Vejam o olhar que tem Saturno enquanto devora a cabeça de seu filho, mergulhado na escuridão. Não é fome, é medo.

H. G. S.