segunda-feira, 26 de março de 2012

Triste é ter certeza

Não suporto fluidos, suposições ou pressupostos. Sinto medo de acreditar que o mundo é menos químico do que penso em relação a quantidade de forças que sinto escorrer entre meus dedos como se fosse mera água para sedentos. Esvai-se justamente com a minha compaixão para com aqueles que amo, pois não sei o motivo de amá-los – são todos tão monstruosos quanto o meu rosto refletido num banheiro de bar onde o mijo afoga meus pés sem qualquer resquício de piedade. São todos tão solúveis quanto o caráter dos governantes que ouso blasfemar por puro esporte e exercício de uma indignação chata e sem retorno. Sinto como se toda explicação (ou tentativa de) fosse inútil, pois a dor que me assola miseravelmente parece não escutar palavras. Jogadas, ou não.

Triste é ter certeza.

Saber que nada será diferente do que é agora e que a morte é uma parábola entre o tempo e o espaço de uma vida mal aproveitada. Saber que a paciência acaba e que as pessoas defecam através de olhares intimidadores que boicotam a esperança alheia sem nenhum motivo aparente. Devoram o luxo que consomem, cuidam de seus corpos e pensam estarem felizes por que aceitam conviver num esgoto recorrente.

Não fecho os olhos, pois sinto o peso nas costas.

Não faço diferença, pois não tenho coragem.

Sigo, observando formigas trabalhadoras que desejam mais agonia à medida que cada sol nasce mais quente. Inventam novos seios para embelezarem aqueles velhos caídos. Implantam novas carnes para que um pau (puro símbolo fálico, escorregadio e sadio) seja uma arma. Comem a lavagem que é proporcionada com a boca aberta e as mãos imundas. Feios e escrotos desde dentro, representando isso para fora.

Sinto-me a vontade para dizer que desejo a morte imediata de cada ser humano habitante da Terra.

(o receio não existe)

segunda-feira, 19 de março de 2012

é assim que sinto

não sei mais dizer o que faço
nem imagino o que ando buscando
em corredores escuros que cheiram a merda.

não encontro olhos que tragam luz:

pernas alheias não me guiam
e as minhas próprias enganam.

enganada por mim mesma
e durmo.

sem vontade de despertar para continuar
esmurrando facas afiadas:
é assim que sinto.

minha autonomia
esvaiu-se,
desde que escolhi viver numa redoma
que transpira muito
e lentamente.

lateja.

limpo bundas,
seco lágrimas.

desacato o sagrado,
clamo o inverso.

desrespeito

somente a mim mesma.

segunda-feira, 12 de março de 2012

HOMO ERECTUS

Marcelino Freire

Sabe o homem que encontraram no gelo? Encontraram no gelo da Prússia? Enrolado? Os arqueólogos encontraram no gelo gelado da Prússia? Perto das colinas calcárias da Prússia? O homem feito um feto gelado, com sua vara de pesca? Sabe o homem que encontraram? Com seu machado de pedra?
O homem que tinha cabeleira intacta? A arcada dentária? O homem meio macaco? Funerário? Fossilizado na encosta que o engoliu? No tempo perdido?
Você viu? Tetravô dos mamíferos do Brasil? O homem vestígio?
O homem engolido pela terra primitiva? Da Era Quaternária, não sei? Secundária? Que caçava avestruz sem plumas? Caçava o cervo turfeiras? Javali e mastodonte? Ia aos mares fisgar celacanto?
Inimigo de rinoceronte?
Sabe deste homem? Irmão do Homem de Piltdown? Primo do homem de Neanderthal? Do velho Cro-Magnon? Do Homem de Mauer? Dos Incas, até? Dos Filhos do Sol? Das tribos da Guiné?
O homem de 100 mil anos antes de nossa era? Ou mais? Um milhão de eras? Homem com mandíbula de chimpanzé? Parecido o mais terrível dos répteis carnívoros do Cretáceo? Um mistério maior que este mistério? Navegador de jacaré?
Não sabe?
Homem desenterrado por acaso? Pelos viajantes, por acaso? Pela paleontologia, não sabe? Visto nas costelas frias da Prússia, repito? Prússia renana, vá saber lá o que é isso?
O homem ressuscitado, você viu na TV? De ossos miúdos? Esmiuçados? Abertos para estudo? À visitação nos museus americanos? Como uma múmia sem roupa? Quase? Flagrada como se estivesse dormindo nas profundezas do mundo oceânico? O homem embrionário? Das origens cavernosas da humanidade? Sabe este homem, não sabe? Pintado nas cavernas da Dordonha? Mesolítico? Nômade? Perdido?
Este homem dava o cu para outros homens.

E ninguém - até então - tinha nada a ver com isso.

segunda-feira, 5 de março de 2012

neve e fogo
força e febre
no movimento
o silencio se bebe
e se embriaga

agora
aqui
no dentro do outro
estilhaços de estrelas

pleno de si
esse cio
eterno inicio
nunca se sacia


Alice Ruiz