segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ligia


       Ela tinha braços cambaleantes e rodava ressabiada pela sala. Meus braços, que não eram nada além de braços peludos, faziam-se cipós, armas enormes para que eu carregasse meu amor pela cintura. Eu nadava minha palma da mão na infinidade do colo dela, pinçando e pintando o que havia de mais encantador no universo; não queria saber se existia astro no céu, me fazia feliz num teto onde cortininhas alaranjadas deixavam aquela casa quente cheirando a lar de mulher bonita e andante. Meus dedos perdidos entremeavam-se no negror da juba de Ligia, em movimentos de uma volúpia inegável e descaradamente apaixonada. Eu me cegava por ela e fazia questão de assumir minha condição de homem amarrado – Ligia devia fazer trabalhos na Mãe de Santo da rua de cima para me quedar assim, estilhaçado no asfalto, mexendo os dedos para chamar a atenção para a falta de humanidade desse suposto amor.

      Era uma languidez incansável que fazia meus dias mornos, tentando beijar uma boca inóspita e cheia de palavras inteiras por dizer. Ligia dizia muito mais do que era necessário para abalar o meu esturpor estrelar decorrente da convivência dela. Não se bastava de nada, era uma miserável sem tamanhos.

“Como eu odeio esse café”
“Não é tão interessante assim, Roberto”
“Faz pra mim? Por que ninguém me ajuda?”

      Chata.

      Não se acomodava num pensamento, pois quanto mais fosse e viesse – como que num caminho eterno de ondas balouçantes – sempre acharia que as pessoas são bobas demais e que os relevos do mundo estão povoados por seres humanos absolutamente descartáveis. Pensava que já não liam Coetzee como deveriam, ou que Charlie Parker era aclamado por gente que não se importava em beber uísque com Coca-Cola. Não enxergava qualquer sentido e sentia-se comprimida numa caixa de sapatos escura, sem nenhum buraco ínfimo pelo qual pudesse se dar a gloria de respirar.

      A cabeça sem fundo na lua, um momento criativo incapaz. Não dançava mais como nos seus dezoito anos e não sentia necessidades fisiológicas que antes eram imprescindíveis, pois vagava por seus crepúsculos diários pensando no quão triste e sinuosa poderia ser aquela vida que ela contornava desde que enxergara a primeira luz na face da Terra. A alegria não era uma constante: oscilava conforme seu humor a cada vez que pensava que as atitudes que realizava diariamente eram coisas pré destinadas, sem indumentária nenhuma que transformasse respectivos atos em alguma monumento que embelezasse a paisagem imunda que submergia, incessante, todas as noites e dias.

      Dava goles gigantescos em cafés no centro da cidade, ao lado de velhos obesos que não pensavam nas questões abstratas da existência.

      Casualmente, a casualidade.

      Não gostava de fumar, mas ao ver aquele conglomerado de células gordas, sentiu-se no dever de procurar algo que lhe rendesse algum prazer. Tragava e tossia, pensando que até a pior das drogas inventadas pelo homem rejeitavam seu corpo. Os caralhos que encontrava no trabalho – ora nas noites em que passava sozinha tomando chá – não serviam de nada além de deixá-la com a vulva ardida, em chamas. Não queria mais olhar sua boceta e desejava arrancá-la do corpo por que sentia um determinado asco inexplicável. Nadava profunda na merda em que havia escolhido cambalear. Olhava para seus amigos e sentia repulsa, pois eram todos maquinas de chatear pessoas preocupadas e demasiadamente ofegantes.

•   •   •

      Não suportava mais as mãos de Roberto enroladas na sua cintura como se fossem propriedade particular dele. Aquela cara de cão danado a levava a pensar que nada nesse mundo era justo, pois ele tinha cheiro de sexo e um pênis enorme que já não soava como grande vantagem. Nada tinha vantagem, era tudo delírio.

      Esperava acordar.