quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Pães de queijo, frio e um cobrador gentil

Era um cobrador sangue bom. Não sei o nome dele, mas desde o princípio imaginei que pudesse ser Jorge, Jorjão, ou Paulo, Paulão. Pois ele era grande, de pele preta, mas tinha feições infantis. O típico homem capaz de destruir um templo, porem, tão inofensivo quanto eu. Encontrei-o ali no Largo da Batata – lugar horroroso no meio de um bairro bonito. Ficava mais feio e estranho quando olhávamos o Tomi Otaki, edifício medonho e bárbaro que habita o centro de São Paulo. Tomei o ônibus que me deixaria em casa. Sentei ao seu lado, junto com Helena que estava aparentemente cansada, faminta e com muito frio. Fez alguns malabarismos para entrar na cadeirinha que era seu local de trabalho, aquele assento minúsculo e grotesco para um cara daquele porte. Abriu o caixa e retirou de dentro um pacote de bolachas recheadas. “Qué?”, ofereceu aquilo que parecia ser um bom prato para duas damas perdidas num ônibus vazio. Com dor na alma, recusamos o lanche. Duas passarinhas deprimidas, sem água na fonte para tomar um banho quente e cantarolar, piar por aí.

Sua cabeça cambaleava numa filistria permanente de ir para cima e para baixo. O cobrador estava com sono, apesar de aparentar ter entrado a pouco tempo na condução – era visível que acabara de sair do banho, estava ainda perfumado e com a roupa bem passada. O monstrão parecia morar com a mamãe, tinha cara de muleque bem criado em igreja evangélica. Pedimos para que ele gentilmente nos informasse o ponto mais perto da nossa casa e ele afirmou com prioridade que nos diria, pedindo para que ficássemos tranqüilas. E ficamos. Passaram carros, pontos, semáforos, padarias, estacionamentos. Passou por nossa cabeça o suicídio, pois o que mais queríamos na vida era a ternura do lar após um dia cansativo na Praça do Por do Sol. Até o momento em que ele avisou para que descêssemos, deixando-nos no posto de gasolina errado. Eram dois pontos seguidos por postos de gasolinas da mesma corporação. Aquele cobrador infeliz deu uma pista falsa que elevou nossa alma ao maior grau de fúria possível num sábado a noite onde tudo era gélido e com cara de domingo.

Helena precisava mijar. Miramos uma dessas padarias da elite da Zona Oeste e resolvemos, cegas, adentrá-la. Sentimos uma falta incomensurável dos nossos pais quando avistamos aquele vinhos chilenos, portugueses, franceses. Sonhamos por exatos 12 segundos com a riqueza eterna e com a barriga quente de tanta comida burguesa: quatro pães de queijo, quatro salgadinhos de salsicha (que tinham o diâmetro menor que três centímetros cada) e cinco pães franceses. Debito de onze reais: é o preço que se paga por uma mijada. Não enfiamos o rabo entre as pernas, pois não tínhamos um rabo. Mas nossa possível expressão de ódio e indignação foi marcante. “O que? Por que ONZE reais?” Um punhado de emoções dúbias apenas numa volta para casa que não deveria, pela lei de todos os universos possíveis, se sair por onze preciosos reais.