domingo, 27 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

‎"Eu vou te contar que voce não me conhece e eu tenho que gritar isso por que você esta surdo e nao me ouve. A sedução me escraviza a você. Ao fim de tudo, você permancece comigo, mas preso ao que eu criei e não a mim. Quanto mais falo sobre a verdade inteira, um abismo maior nos separa... Você não tem um nome e eu tenho; você é um rosto na multidão e eu sou o centro das atenções. Mas a mentira da aparência do que eu sou e a mentira da aparência do que você é: por que eu não sou o meu nome e você não é ninguém. O jogo perigoso que eu pratico aqui, ele busca chegar ao limite possível de aproximação através da distancia e do reconhecimento dela. Entre eu e você existe a noticia, que nos separa. Eu quero que voce me veja a mim. Eu me dispo da noticia e a minha nudez, parada, te denuncia e te espelha. Eu me delato. Tu me relatas. Eu nos acuso e confesso por nós. Assim, me livro das palavras com as quais você me veste."

Maria Bethania

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

EXCEÇÃO

"Entre todos os revezes
Eu descobri:
com você
[e por você]

eu teria um filho.

Por você
[e com você]

meus dias não estariam contados.

Despindo a vergonha,
Jogando bosta na cara
De uma família inteira.

Por você
[e com você]

Eu teria uma família."

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O homem da cicatriz

De dia, escrever, tomar cafezinhos, ler jornais no McDonald's. De noite, beber Jack Daniel's, comer chocolates ou cus, ler um livro sobre o surrealismo francês e pensar como ficaria seu corpo lá embaixo estatelado no asfalto, chapado de maconha. De dia, no PC, escrever mensagens, mandar cerca de trinta e-mails das 9 às 6, contando coisas pessoais, extremamente pessoais, ouvindo isso de outras pessoas, tratando de assuntos pseudamente profissionais, pedindo coisas, favores, retribuindo, oferecendo favores e gentilezas, quase sempre muito gentil, mesmo, e tudo enquanto trabalha, ou seja, o que é trabalhar? Quase não fazer nada, conversa fiada transubstanciada em memorandos, anotações, idéias, resenhas sobre fatos alheios e reuniões em que se finge um interesse inviável pelo que diz o chefe, passeando pelos corredores vazios da firma assuntos como futebol ou guerra, elogiando ou metendo o pau, dissimulando intrigas e mexericos, comentando as bundas das mulheres, e, se der sorte, numa hora de almoço perdida no tempo, foder aquela assistente gostosinha [desesperado estupro da noite no dia]; de noite, ou muito devagar ou muito muito rápido, no Mac, tentar escrever, num simulacro de diário, sua vida reinventada, criando mentiras aos amigos, rindo falso no telefone, comendo coisas estranhas e quase sempre mulheres estranhas, estranhas que de repente ficam bem naturais, essas mulheres de mil anáguas e calcinhas e aí nuas nuasnuas de dizer até mesmo eu te amo.

O dia rasurado por signos conhecidos, a rotina equacionada pra não dar errado nunca. Nunca o sinal se abrir lento demais, nunca o carro da frente demorar, nunca chover pra caralho ou fazer sol além do bastante, nunca falar com o mendigo no semáforo, nunca cometer imprudências ou desperdiçar bons-dias, esconder-se, profundamente de si esconder-se, no cansaço do sono, na pedra do sonho, lavrando a certeza de que amanhã sim, amanhã talvez. E todo dia, entre madrugada e manhã, a cicatriz cada vez mais aberta e funda, entre crepúsculo e lua formulários agonizam, secretárias se ocultam nas casas dos maridos, assistentes viram um porre, vais pra puta que pariu que morreram amargos no âmago da garganta, e então a sede, a sede da noite, porém junto um arrependimento, de sensação de lixo, suor grosso expulso dos poros, expulso do dia, e então exilado, insulado. [Mas mais preciso. Pois a cada despertar, outro delírio abortado.] Um dia, ligar o foda-se. Um dia, a noite plena. O sol que se dane. A cicatriz, o próprio sol.

Vila Madalena [SP], outono, 1999

Ronaldo Bressane