sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Notas múltiplas 1 a 9


1.
- Por que viajar custa tão caro?
- Excelente pergunta.
- Tá arruinando a minha vida.
- ...
- Talvez um pouco dramática demais agora.
- É.


2.
Queria pedir desculpas por ter agido como um animal.
Olhe para mim.
Ela não olha...
Ei, olha pra mim.
(Me desculpe por não ter controle sobre minhas ações. É porque somos criados assim, você sabe, e agora, ao tentar resolver o problema que podemos perceber, não conseguimos. Continuamos sendo animais que pensam com a cabeça do pau. Acho até que quando aquele cara cabeludo que está lá no canto diz que na verdade ninguém presta, talvez ele esteja correto)
Não consigo.
Que seja. Já aprendi a mentir pra mim que não me desprezo.


3.
Por que continuo aqui, sentado nesta roda, a olhar para estas pessoas? Nos conhecemos há tanto tempo. São tantas histórias. É... É isso.
É essa a desculpa.


4.
Você não está aqui, mas a noite é nítida. Quem sobra, nos arredores, faz tudo errado como que por instinto. Tudo errado... O barco apanha de ondas e ventos gelados no escuro, longe de ter rumo (Kostka está morto), e eu, em pé, fico estático, observando as ondas e os ventos, apaixonado pela fúria mineral do oceano sob a tempestade. Eu, a olhar o tufão, me sinto pequeno, mas não sou. Não sou, porque meus olhos não se fecham, meu coração bate mais forte e é por vontade de viver, de correr, de fugir a nado deste inferno (sinto que conseguiria se tentasse). Não sou pequeno porque olho para a tempestade e ela olha de volta, porque me conhece. Fico estático, com desejo de mergulhar no turbilhão do mundo e tornar-me a própria tempestade. Engolir a todos. Tudo errado. Fico parado a esperar que o barco vire.


5.
Two men talking:
- I was disappointed he fucked her; thought he would resist.
- I thought so too, but he resisted more than any other man ever would.
- With me, all she needed to do was put the wine bottle on the counter HA.
- I wish I was as badass as Rust.
- Same. What a man.


6.
E você? Se acha tão inteligente, não é? Sempre tão superior. Essa cara de quem acordou pra salvar o mundo e antes do horário de almoço foi impedido e frustrado pela estupidez do resto todo, podre, da humanidade. Tua cara, tua rotina. Sempre tão único, não é, seu filho da puta? O herói incompreendido. Teria todas as respostas, se lhe perguntássemos; e sempre acenando – olhem para mim, estou aqui, perguntem, peçam minha ontológica opinião. O último intelectual, mas tudo o que faz em relação a uma mulher como eu é encarar, feito um vegetal, nossa peça teleológica: esta aqui, por onde saem nossas fezes. Encara minha bunda a babar como um cão velho e doente. Uma rotina tão vã quanto respirar. Como um cão velho, está cego. Sempre disse pra eu aprender a me expressar, não é? Pois então, estou me expressando pra você agora. Pode ir tomar no cu.


7.
- Então você acredita em almas gêmeas?
- Sim.
- Então pra quê esse martírio? Pra quê, se você sabe que estão destinados a estarem juntos para sempre?
- Não foi o que eu disse. Acredito que almas gêmeas existam, e acredito que encontrei a minha. Só acho que anulei as possibilidades de união. Acredito que isso seja possível.



8.
Citação:
“...Even then I loved him more than I’d ever loved anything on Earth. He was stabbing me and I was smothering him. We were killing everything that deserved to die because it wasn’t as rich as it could be. We were killing the empty times, and then we’d die with them and wake up and kill them again until there wasn’t anything left to kill and we’d be alive in a way that you can never die when you feel like that because you own your life and nothing can ruin you.” (Marion)


9.
Por que diabos vocês sempre apontam para o coração? Sempre a falar do maldito coração. Hoje eu vi a mulher mais bonita do mundo. Eu estava dentro do carro, em movimento, e ela andava pela calçada, em uma direção oposta; a vi por 3, 4 segundos, e foi meu estômago que parou. Quem era? Nunca a havia visto. O cabelo curto, os ombros, a cintura, a cor da pele, o modo de andar, um aparente mau humor - que me interessa -, a postura; que pernas eram aquelas? Senti, como um acidente, um vazamento ácido, do centro para fora, que revirou, murchando, todas as flácidas tubulações que imagino por dentro de mim. Devo ter arregalado os olhos. Meus intestinos perderam a função; eu parei de funcionar, porque (e o costume de dizer isto sim faz sentido) nós somos o que comemos, nós somos as nossas bactérias intestinais, nós somos o pH, o bolo alimentar, as fibras, os movimentos peristálticos e animais. Nós somos tão involuntários quanto a fome. Desde aquele instante, a memória de tê-la visto tem me atormentado durante o dia e meu estômago é que me diz: eu preciso saber quem ela é, eu me quero dentro dela e a quero dentro de mim, eu quero ingeri-la e sê-la.