sábado, 14 de julho de 2012

Como tomar um ônibus

O velho Key esperando o ônibus. Magrelão, óculos quadrados, maletinha em mãos, calça social escura, sapato de ponta quadrada, camisa azul escuro sem estampa. Velho Key faz questão: se os jovens usam camisa xadrez, ele usa camisa sem estampa. Deus o livre de parecer um pouco com essa juventude.
Camisa por fora da calça.

O velho Key pensando. Domingo. Bom mesmo pra dar uma volta pela cidade, sair de casa. Precisava de um pouco de excitação. Velho Key aposentou há pouco tempo e se sente muito entediado sem ter um trabalho. Coitado de quem pensa que em ônibus não tem excitação. Hoje é domingo, não é dia de procurar um trabalho que o tire do marasmo, hoje é dia de passear - dar um rolê, diriam os jovens, rerere, acha que pode? - e dar uma espiada nas moças. Não que o velho Key ali seja um pervertido. A beleza feminina, como todos sabem, é fonte de inspiração e indiscutivelmente a maior das artes da raça humana. Não é porque a pipa do vovô não sobe mais que ele perde o direito à admiração. Devia, aliás, haver uma fila preferencial pros velhinhos. Deixa o vovô ver a mocinha e desmaiar logo. Rererê.

O velho Key esperando. O velho Key já está no ponto há uns trinta minutos e nada de ônibus. Acha isso um absurdo, mas fica quieto, não fica resmungando e praguejando. Não gosta de ser igual àqueles outros velhos que puxam papo com qualquer um no ponto de ônibus, na farmácia, em qualquer lugar. Estão com pressa pra conhecer a humanidade inteira antes de morrer, pensou o velho Key - rerere - essa devia ir pra algum caderno de anotações. O velho Key não gosta de ficar fazendo escândalo. Não gosta de reclamar muito, já passou a vida toda reclamando e o mundo nunca mudou por ele. Ninguém nunca mudou pra ele. Então deixa estar. A vida é assim mesmo. O mundo desce o cacete na gente, fuzila nossa vida, e o máximo que a gente pode fazer, de vez em quando, é dar uns tiros pro alto. Pra desestressar.

Até que enfim, o ônibus apareceu na distância. Ah - o velho Key gosta de passear - dar um rolê, rereré. Havia mais gente no ponto e o velho Key, todo paciência, deixou todo mundo entrar primeiro. Depois, subiu os dois degraus da entrada, pagou os R$1,10 da passagem ao cobrador, suspendeu a maletinha por cima da catraca, passou e sentou no assento preferencial. O motorista engatou segunda e o velho Key, abrindo a maletinha, lembrou das primeiras aulas de tiro ministradas a ele pelo próprio pai, sabe-se lá quantas eras antes dessa. O velho Key estava velho, aposentado.

Mas ainda dava pro gasto. Havia uma loira absurdamente gostosa sentada perto do velho Key, num assento preferencial. Não era o lugar dela. Devia ter uns 20 anos, pensou o velho Key, mas podia sentar ali, uma loira daquela poderia o que quisesse - podia até sentar no meu colo, rereré. Deveria ter usado uma gravata hoje. O velho Key levantando com o revólver em mãos, dando tiros pro alto: TODO MUNDO QUIETINHO E PASSANDO TUDO, CARALHO!!!


H.G.S.

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